Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM d595a

A herança que o Papa Francisco nos deixa 48t6z

30/04/2025 r5x55

Foto: Thiago Leon – Santuário Nacional de Aparecida

Fazer uma síntese dos 12 anos do pontificado de Francisco é tarefa quase impossível, pois estamos diante de um magistério profundamente abrangente, dinâmico e ecumênico. Muitas portas foram abertas e reabertas por Francisco nas mais diversas dimensões da vida da Igreja e fora dela. Precisaremos de um bom tempo para assimilar todos os aspectos que o papa latino americano colocou em andamento.

Francisco, um papa original

Quem foi Francisco? Foi o primeiro papa latino americano e não europeu, depois de mais de 1.200 anos de papas vindos das “europas”. Filho de migrantes, formado em química, tornou-se jesuíta, e posteriormente arcebispo de Buenos Aires. Por 12 anos, desde 2013, bispo de Roma, com coração e opções franciscanas. Francisco não perdeu suas origens, sejam elas familiares, culturais, religiosas e eclesiais. Foi até o último dia fiel ao Evangelho e ao nome que escolheu, em referência ao pobre de Assis. Filho da Igreja do nosso continente, Francisco foi um papa original, próximo, humano, tocado pela ‘mística do estar junto’, apaixonado por Jesus Cristo. Seus gestos e atitudes marcaram para sempre um novo jeito de conduzir a Igreja, a ponto de pessoas dizerem ‘ele nem parece ser papa’. Francisco devolve aos fiéis o direito à paternidade espiritual, que é e dever ser a vocação primeira de todo pontificado.

Falava de improviso, dava entrevistas a meios de comunicação não religiosos, se levantava no avião para falar com os jornalistas, optou por morar em uma residência mais simples para estar mais perto de pessoas, celebrava todos os dias a eucaristia com o povo, telefonava pessoalmente para pessoas das mais diversas regiões do mundo para animá-los e confortá-los na missão, caminhava pelas vielas de Roma. As atitudes revolucionárias de um papa que veio do fim do mundo não param por aí.

Autêntico, sem medo de se posicionar sobre quaisquer temas, condenou o terrorismo e as guerras, as desigualdades sociais, enriqueceu a doutrina social da Igreja com o tema da ecologia integral, convocou o mundo à amizade social, promoveu o diálogo inter-religioso, protestou veementemente contra a economia capitalista que mata, colocou os pobres no centro de seu pontificado, defendeu incansavelmente os refugiados e imigrantes, enfrentou a corrupção interna da Igreja, combateu a pedofilia, deu início à reforma da Cúria romana, acolheu como nunca os homoafetivos, dentre tantas outras ações.

Sua originalidade está marcada nas expressões pastorais por ele criadas e facilmente compreendidas por todos, diferentemente das costumeiras linguagens eclesiásticas de cunho mais dogmático, nem sempre traduzíveis na vida do povo. ‘Igreja em saída’, ‘pastores com cheiro de ovelhas’, ‘cultura do encontro’, ‘cultura do descartável’, ‘hospital de campanha’, ‘alfândega pastoral’, ‘ecologia integral’, ‘periferias geográficas e existenciais’, ‘construir pontes e não muros’, ‘Igreja pobre para os pobres’. Esses são apenas alguns termos do novo dicionário teológico pastoral que Francisco criou, fruto de sua sensibilidade humana e criatividade evangélica.  Tais expressões não são palavras de efeito, mas reflexo de uma vida de pastor, próximo ao chão da vida.

Legado de um magistério pastoral: discernimento e fidelidade criativa

O legado que o Papa Francisco deixa é o legado de um magistério essencialmente pastoral.  Por magistério pastoral entendemos aquelas dimensões acima descritas, acrescidas de outras, como seu bom humor, o contato pessoal, sua capacidade em lidar com conflitos, a valorização da piedade popular, as homilias curtas e precisas, o apoio a movimentos sociais, a valorização da mulher, o incentivo ao rito amazônico, benção aos casais homoafetivos, a valorização das Conferências Episcopais, o reconhecimento do sensus fidei de cada fiel.

Contudo, por magistério pastoral entendemos mais que isso, ou melhor, todos esses aspectos são consequências de algo anterior: a pastoralidade do magistério de Francisco é, antes de tudo, a capacidade de falar e agir com os pés fincados no chão concreto da vida e do momento presente. Aqui reside, a nosso ver, a grande herança deixada pelo Papa Francisco.

Ao dizermos magistério pastoral não se trata, portanto, de oposição entre o pastoral e o dogmático, entre o ensinar e o agir. O que diz se um ministério ou ofício é pastoral ou não, é a capacidade de comunicar o Evangelho em conexão com a realidade contemporânea e com as grandes questões que afetam a humanidade hoje, no discernimento e na fidelidade criativa a Jesus de Nazaré. E nisso Francisco é mestre. Foi o segundo papa mais idoso da história, e ao mesmo tempo um dos mais sintonizados com a ‘mudança de época’, inclusive, foi o redator do Documento de Aparecida no qual essa expressão foi consagrada.

Francisco fugia de esquemas pré-estabelecidos, de princípios universalizantes. Diante de situações concretas, o que importa é o discernimento, o bom senso, a pergunta pelo que Jesus faria diante daquela situação, pois sabe que ‘o real é maior que o ideal’. Trata-se do princípio da dupla fidelidade. Fiel ao Evangelho e fiel à realidade interpretada a partir do discernimento evangélico.

Os deslocamentos eclesiológicos decorrentes de um magistério essencialmente pastoral

Decorrentes da pastoralidade do seu pontificado, recebemos de Francisco a herança de diversos deslocamentos eclesiológicos. Em outras palavras, o governo pastoral de Francisco, por ser fiel ao Evangelho e fiel ao exercício de ouvir e discernir a realidade contemporânea, por pautar-se no princípio da dupla fidelidade, iniciou um movimento de mudança de lugar: o que estava à margem ocupou a centralidade e o que era central foi para a periferia. É nesta perspectiva que entendemos ‘a saída’ da ‘Igreja em saída’. A primeira ‘saída’ é a saída de pressupostos, de mentalidade, da “autopreservação”, “fez-se sempre assim”, da “doutrina monolítica” (EG, 40). Somente depois, vem a saída geográfica.

Foram inúmeras as mudanças de lugares no pontificado de Francisco: de um reducionismo ecológico a um compromisso com a ecologia socioambiental; de uma Igreja aburguesada a uma Igreja ‘pobre para os pobres’; do centralismo da Cúria Romana ao fortalecimento das instâncias de evangelização. A Cúria deve estar a serviço das várias instâncias de evangelização e não o contrário. Essas são tão somente algumas das ‘saídas’ de seu pontificado. A seguir umas palavras a mais sobre dois outros deslocamentos, de certa forma já acenadas na página precedente:

a) Da moral casuística à moral do Evangelho: acolhida e misericórdia

A moral cristã, em Francisco, ganha contornos de acolhida, discernimento e integração (são os três verbos marcantes da Amoris Laeticia: acolher, discernir e integrar), distanciando-se do paradigma das normas universais e de uma compreensão fixista de moral (“moral fria de escritório”, “por pensar que tudo seja branco ou preto, às vezes fechamos o caminho da graça e do crescimento e desencorajamos percursos de santificação que dão glória a Deus”), dada uma vez por todas, a ser aplicada universalmente em todos os casos. Também no campo da moral vigora, para Francisco, o princípio da dupla fidelidade: Ele sabe que o Evangelho é sempre o mesmo, mas o modo de proclamá-lo e as implicâncias morais daí decorrentes necessitam sempre de novos olhares e expressões. ‘O real é maior que o ideal’, e entre o real e o ideal, prevalece a busca pelo bem possível.

Do exposto acima é fácil entender a centralidade da misericórdia que marcou os 12 anos do ministério do bispo de Roma. ‘A Igreja, quando deixa se mover pelo Evangelho da misericórdia, não teme se sujar, enlamar, se ferir por ter saído pelas estradas”. Ao colocar no centro da Igreja a misericórdia Francisco nos convida à conversão da imagem de Deus. Nosso papa foi um homem profundamente marcado pela fé no Deus de Jesus Cristo, cuja essência é a misericórdia. ‘Deus não cansa de nos perdoar, somos nós que nos cansamos de pedir perdão’.

b) Dos centralismos à Igreja como Povo de Deus que caminha junto: sinodalidade

Outro deslocamento que indiscutivelmente marcou o pontificado de Francisco foi a sinodalidade.  O legado de Francisco é o legado de um magistério pastoral que não ensina nem age sozinho. Ele recuperou a sinodalidade como identidade da Igreja. No coração da Igreja está a Trindade Santa, comunhão de Pessoas divinas, e ao redor dela está o povo de Deus que caminha junto. Todos são povo de Deus; ‘ninguém nasceu padre ou bispo’.

Mais que discursar sobre sinodalidade, Francisco fez dela o modus operandi: nomeações de funções na Cúria que por séculos foram ocupados por clérigos, criação de Conselho de cardeais, nomeações de bispos das mais diversas regiões do mundo, fortalecimento das Conferências episcopais de cada país, Assembleia eclesial para a América latina, Sínodo sobre a sinodalidade …

Ele sabe que as mudanças propostas são lentas, porque dependem do ritmo do coletivo e do irrenunciável processo de participação de todos. Francisco sabe que ‘o tempo é maior que o espaço’.  Os resultados não são imediatos ou mágicos.

O que mais impede a Igreja de ser sinodal é o clericalismo. Francisco não poupava ninguém quando o assunto é clericalismo: cardeais, bispos, padres, leigos e leigas são alvo de suas contundentes críticas contra esse vírus estrutural que está presente na Igreja já desde bastante cedo.

Enfim, a herança que Francisco no deixa é a de uma Igreja que volta às fontes do Vaticano II.  Nosso Papa não somente recolocou a Igreja nos caminhos do último Concílio, como também a interpretou/atualizou para o século XXI. Obrigado, papa Francisco por seu testemunho de vida.


Frei João Fernandes Reinert

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