A nossa reflexão de hoje tem como ponto de partida os textos bíblicos de At 13; Ap 7 e Jo 10, os quais se encontram em quatro pontos: multidão, pagãos, judeus e pastoreio. Eu acrescentaria a figura da mãe, celebrada no segundo domingo de maio, no Brasil.
Em Atos dos Apóstolos, Paulo e Barnabé, na cidade de Antioquia da Psídia, tentam, em vão, converter os judeus. No entanto, uma multidão de pagãos adere à pregação deles.
No Apocalipse, uma multidão de raças e povos forma o novo povo de Deus, os escolhidos por causa da não adesão deles ao projeto da Besta, o imperador romano Nero, morto em 67 E.C., e conhecido pelo apelido de 666, pois as letras hebraicas de seu nome chegam a essa contagem simbólica para referir-se ao inominável perseguidor dos cristãos, que queimava cristãos vivos para iluminar as noites romanas ao som de sua lira. Nascido Lúcio e tendo assumido o poder aos 14 anos, Nero mandou ass a própria mãe, Agripina Menor, em 23 de março de 59 E.C. Ela era uma mulher de forte liderança materna e política no império romano. Segundo relato do historiador romano, Tácito (56-117 E.C.), Nero, não ando a influência de Agripina, tramou a morte dela em um navio que afundara, mas ela escapou viva. Em seguida, tentou envenená-la e, por fim, ordenou seu assassinato.
No evangelho de João, Jesus é o pastor das ovelhas que o Pai lhe deu. Nero dispersa e mata, Jesus une e cuida. Os apóstolos unem, as lideranças judaicas desunem. As mães unem as famílias na manutenção de cordões umbilicais. Morre a mãe, muitas famílias desagregam.
Os apóstolos proclamam que a ordem que o Senhor lhes deu é esta: “Eu te coloquei (judeus) como luz para as nações, para que leves a salvação até os confins da terra.” (At 13,47). No entanto, eles não aceitaram a pregação. Já os pagãos, por sua vez, ficaram muito contentes, quando ouviram isso, e glorificavam a palavra do Senhor. Todos os que eram destinados à vida eterna, abraçaram a fé (At 13,48).
É tempo de falar em multidão. Uma multidão se aglomerou em Roma para dar o último adeus a Francisco Bergólio, o papa de sapatos surrados, homem que tentou unir, pela fé em Jesus, cristãos e não cristãos na luta por um mundo de igualdade social e de ecologia integral. Seu nome é Francisco, nascido na Argentina, irmão na fé e no sonho de outro Francisco, o de Assis, do qual herdou o nome e a esperança. Quando eleito papa, em março de 2013, Francisco pediu aos seus compatriotas que não fossem a Roma na sua posse, mas que doassem o dinheiro da viagem aos pobres. À Argentina, Francisco, por dissabores do ado com as lideranças de seu povo, julgou por bem não mais voltar como papa.
O capítulo sete de Apocalipse fala da nova contagem do povo de Deus (7,1-8) e da visão da multidão imensa dos eleitos (7,9-17). Quatro anjos são encarregados de fazer mal à terra. Um deles é escolhido para realizar o recenseamento dos escolhidos. Os eleitos, uma multidão de todas as raças e nações, recebem a marca de Deus.
No mundo bíblico, aos anjos eram associados os fenômenos naturais. Eles podiam segurar os ventos, e ficavam nos quatro cantos da terra. Era Deus que os autorizava a liberar os ventos, os quais eram sinais da presença divina (Gn 3,8), mas também de destruição (Jr 49,36).
Os escolhidos ou protegidos são marcados por Deus e considerados propriedade sua, recebendo missão especial. Que sinal é esse? O livro de Ez 9,1-4 fala de um sinal que é colocado na fronte dos eleitos, a letra tau do alfabeto hebraico, antes da destruição do anjo exterminador. Dessa tradição nasceu o tau franciscano. O livro do Êxodo também fala da marca do sangue do cordeiro para que os escolhidos se livrassem do anjo exterminador (Ex 12,7-13).
No Apocalipse, os escolhidos, membros das comunidades perseguidas que resistiram à Besta recebem um selo de Deus para continuarem agindo como batizados diante do mundo. Eles são um número simbólico e incontável, 144.000 mil. São o novo Israel, 12 x 12.000, as doze tribos da dispersão (Tg 1,1; Gl 6,16; Rm 2,28-29), agora unidas na fé e na resistência.
Esses eleitos resistiram e continuaram sendo protegidos por Deus, como aconteceu no deserto (Nm 1,1-46). Unida aos anjos, a multidão, formada por nações, tribos, raças, povos e línguas, inicia seu louvor universal. A multidão é sinal de ecumenismo, de diálogo a partir da fé que resiste e liberta a dor dos marginalizados do sistema opressor romano, representados nas figuras do louco Nero e sua encarnação, segundo tradição romana, em outro tirano, Domiciano, morto em 96, quando o livro do Apocalipse estava sendo escrito.
A multidão alvejou suas vestes no sangue do cordeiro. Os cristãos resistiram e enfrentaram o dragão, a besta e, por isso, estão salvos com a morte de Jesus. Por isso estão diante do trono de Deus, cultuando-o dia e noite. O desejo de sair do Egito, para cultuar Deus, concretiza-se (Ex 3,18), no Apocalipse. Por isso, “eles nunca mais terão fome, nem sede, nem os molestará o sol, nem algum calor ardente. Porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor e os conduzirá às fontes da água da vida. E Deus enxugará as lágrimas de seus olhos.” (Ap 7,16-17)
Seguindo o exemplo de Jesus, o Papa Francisco, tinha convicção de que: “Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai. Eu e o Pai somos um.” (Jo 10,29-30). E assim ele procurou agregar povos no ideal evangélico do acolhimento e do serviço aos empobrecidos do nosso tempo e na ecologia integral. Que o novo papa calce o “sapato” de Francisco e mantenha o seu legado vivo para sempre em meio a bestas e multidões famintas da paz e do bem!
Frei Jacir de Freitas Faria