>> O tempo brinca conosco. Faz de nós o que quer. Mal e mal ajeitamos as figuras e símbolos do Natal numa imensa caixa de papelão no cubículo dos fundos da casa e nos damos conta de que já é tempo novamente de “armar o presépio”. O coração do Amado que morre pregado ao lenho já batia no peito do Menino das Palhas. Diante de meus e de seus olhos este rico pensamento de Santo Agostinho para começar nossa reflexão: “A força de Cristo te criou, a fraqueza de Cristo te recriou. A força de Cristo fez com que existisse o que não existia; a fraqueza de Cristo com que o que existia, não viesse a parecer; criou-nos com sua força e resgatou-nos com sua fraqueza”.
>> Ao longo do caminho de nossa vida de discípulos do Senhor não cessamos de contemplar as misericórdias que Deus foi e vai derramando em nossa vida, no caminhar da Igreja, no coração das pessoas retas e de boa vontade, através do amor sem limites de Cristo Jesus. Para nós, ele é o Ressuscitado, o vitorioso, aquele que vivo está em nosso meio sustentando nossa vida nova, vida de ressuscitados nele e com ele. Ele hoje nos fala, nos encoraja, nos alimenta, nos encoraja e pede asilo em nosso interior. Nesse empenho de alimentar nosso carinho e afeto pelo Esposo precisamos fazer com que nas alamedas interiores e mistério existenciais ecoem palavras e gestos do Jesus histórico. Fixamo-nos em primeiro lugar nos seus milagres e numa parte do maravilhoso dito a seu respeito. Sentimos que uma força emerge dele precisamente a partir de sua fragilidade.
>> Santo Agostinho no breve texto com o que abrimos nossa reflexão faz um jogo entre força e fragilidade. A força de Cristo, isto é, o Verbo que é Deus criou e cria a todos e a tudo. Na fragilidade da rosa que desabrocha, no fiozinho de água que corre pedra abaixo, na criança que nasce agora na maternidade e chora desesperadamente ainda besuntada de sangue Deus age, cria, inova. Coisas frágeis. Coisas simples. Extasiamo-nos diante da criação do Senhor. Tudo fervilha. Tudo tem a força daquele que cria. Francisco de Assis ficava extasiado diante de tudo porque por detrás de tudo estava o Altíssimo e Bom Senhor.
>> Agora o outro lado da moeda: pela fragilidade do condenado à morte, daquele que foi suspenso entre o céu e a terra fomos resgatados, renovados, recriados, restaurados. O Verbo feito carne foi vivendo entre nós. Nada de feitos extraordinários, mas gestos simples e bons que culminam na fragilidade da cruz, no total abandono de um impotente e indefeso. Paulo, corroborando o dizemos, afirma que é forte quando fraco. Não a pela nossa cabeça defender uma como que espécie de neurose de busca de sofrimento. Uma certa “espiritualidade” do ado gostava de cantar loas às macerações do corpo e se comprazia na busca de humilhações. Longe de nós esse tipo de deturpação de leitura do sofrimento de Jesus. Ele não busca o sofrimento com um gosto doentio.
>> Tudo o que ele ali vive lhe parece um absurdo. Tem vontade de gritar, mas sua voz não é ouvida. Ninguém o defende. Os que antes o rodeavam e procuravam desaparecem. Não tem advogados. Quem sabe ouve o choro sereno da mãe ao pé da cruz e parece sentir que o Pai está distante. Chega mesmo a dizer, segundo os evangelistas: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” E quando se entrega nos braços do Pai e depois de morte ainda acontece o esvaziamento de todo o seu interior: os fiapos de água e de sangue que saem de seu coração aberto. Fragilidade cheia de força.
>> Voltemos à criança. Santo Efrém falando do Menino das Palhas de maneira poética assim a ele se dirige: “Que coragem tu tens! Assim tão pequenino te entregas a todos; a quem vem ao teu encontro ofereces teu sorriso; a quem te olha, te mostras acolhedor; é como se teu amor tivesse fome do amor dos homens”. O pequenino se entrega a todos. É como se tivesse fome do amor dos homens.
>> Não podemos nos esquecer que o Menino sorridente do presépio é também o pobre ser alquebrado no alto da cruz com o Coração aberto. O Coração do Menino e do Justo suspenso entre o céu e a terra bate sempre na mesma cadência. É a batida do amor. Por vezes, nós seres humanos sentimo-nos como que abandonados na trajetória da vida, na trajetória dos desertos. E o coração indigente, lamenta: “‘Por que, Senhor, me abandonaste desta forma ao longo do sofrimento?’ O Senhor, entanto, em luz indizível, responde, encorajando-o: ‘Eis os sinais dos meus pregos e minhas chagas; sofri tudo isso, alma querida porque estiveste ferida e presa de tantos inimigos. Curei-te e libertei-te porque te fiz à minha imagem. Por ti sofri eu que sou o imível. A aflição da minha alma foi para o teu bem” (Pseudo-Macário).
O coração dilacerado no alto da cruz já batia no peito do Menino das Palhas!
Frei Almir Guimarães