Mulheres na Igreja: sinal de comunhão, sinodalidade e esperança 6t5q53
22/05/2025

Ir. Simona Brambilla, Ir. Tiziana Merletti e Ir. Raffaella Petrini
“Se não entendermos o que é uma mulher, o que é a teologia de uma mulher, nunca entenderemos o que é a Igreja. Um dos grandes pecados que cometemos foi ‘masculinizar’ a Igreja.” (Papa Francisco – Audiência com os membros da Comissão Teológica Internacional, em 1º de julho de 2023)
A presença da mulher em funções que denotam maior poder de decisão na Igreja Católica é um tema que ainda provoca importantes debates referentes à participação feminina em espaços ocupados exclusivamente por homens.
O pontificado de Francisco provocou uma alteração nos rumos da Santa Sé, a partir da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, de 2013, e depois com a Constituição Apostólica Prædicate Evangelium sobre a Cúria Romana, publicada em 2022, nas quais enfatizou a necessidade da ampliação da presença de leigos, leigas e mulheres consagradas nas tomadas de decisão da Igreja. O último documento citado afirma que: “todo cristão, em virtude de seu batismo, é um discípulo missionário… A reforma (da Cúria) deve, portanto, prever a participação de homens e mulheres leigos, também em cargos de governo e de responsabilidade”.
Tanto na Evangelii Gaudium quanto na Prædicate Evangelium, entre outras questões, Francisco apresenta e amplia o viés de compartilhamento e de unidade entre os filhos e filhas de Deus dispostos a promover uma Igreja em saída, de forma transversal, ou seja, uma Igreja que sabe ouvir e dialogar.
Neste cenário diverso, voltado para a reformulação de um ambiente menos clerical e mais democrático, Francisco olhou para um horizonte no qual todos pudessem sentar-se à mesa e partilhar do pão e do vinho, sem barreiras, mas em comunhão, como pontes do Evangelho.
Papa Leão XIV chega ao Vaticano demonstrando nitidamente sua vontade de dar continuidade ao legado de Francisco, assumindo a “visão e as reformas” do seu antecessor em vários aspectos, especialmente no que diz respeito à paz e à unidade, sinalizando o desejo de ser uma Igreja sinodal, que busca a paz e a caridade, especialmente para os que sofrem. Em um dos momentos da primeira homilia de seu pontificado, no dia 18 de maio, disse:
“Irmãos e irmãs, gostaria que fosse este o nosso primeiro grande desejo: uma Igreja unida, sinal de unidade e comunhão, que se torne fermento para um mundo reconciliado”.

Ir.Tiziana e Ir. Simona
Reforçando também a missão de fortalecer a presença feminina na Igreja, o Vaticano comunicou, nesta quinta-feira (22/05), a primeira nomeação do Papa Leão XIV de uma mulher para a Cúria. Irmã Tiziana Merletti será secretária do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, que já é chefiado pela Irmã Simona Brambilla.
Este departamento do Vaticano, que cuida dos religiosos em todo o mundo, foi o primeiro a ser chefiado por uma mulher, quando Francisco nomeou a Irmã Brambilla em janeiro deste ano, substituindo o cardeal brasileiro João Braz de Aviz.
De acordo com o site Vatican News, Irmã Tiziana Merletti pertence às Irmãs Franciscanas dos Pobres. Ela nasceu em 30 de setembro de 1959, em Pineto, na região dos Abruços, centro da Itália. Em 1986, emitiu a primeira profissão religiosa no Instituto das Irmãs Franciscanas dos Pobres. Formou-se em Direito em 1984 e, em 1992, fez o doutorado em Direito Canônico na Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma.
De 2004 a 2013, foi superiora-geral do seu instituto religioso. Atualmente, é docente na Faculdade de Direito Canônico da Pontifícia Universidade Antonianum, em Roma, e colabora, na qualidade de canonista, com a União Internacional das Superioras Gerais.
Nomeações de mulheres no pontificado de Francisco
Irmã Simona Brambilla, ex-superiora geral das Missionárias da Consolata, foi nomeada prefeita do Dicastério em 6 de janeiro deste ano, do qual foi secretária a partir de 7 de outubro de 2023. Ela foi a segunda mulher a ocupar esse cargo na Cúria Romana, após a nomeação, em 2021, da irmã Alessandra Smerilli no Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral.
A religiosa consagrada traz em seu currículo uma experiência missionária em Moçambique, depois de se formar como enfermeira profissional e ingressar nas Irmãs Missionárias do Instituto da Consolata, que guiou de 2011 a 2023. Em 8 de julho de 2019, o Papa nomeou sete mulheres como membros do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica pela primeira vez. Em seguida, a irmã Brambilla foi escolhida, primeiro como secretária do Dicastério e agora como prefeita.
Desde o início do magistério do Papa Francisco, a presença de mulheres aumentou significativamente. De acordo com os dados gerais referentes tanto à Santa Sé quanto ao Estado da Cidade do Vaticano, que vão de 2013 a 2023, a porcentagem de mulheres aumentou de 19,2% para 23,4%.
No Estado da Cidade do Vaticano, o Papa Francisco nomeou duas mulheres para cargos importantes nos dez anos de seu pontificado: em 2016, Barbara Jatta tornou-se diretora dos Museus Vaticanos, que sempre foram dirigidos por leigos.
Em 2022, a nomeação da Irmã franciscana Raffaella Petrini como presidente do Governatorato — uma função normalmente atribuída a um bispo — representou um ponto notável de descontinuidade na istração do Vaticano. Pela primeira vez, o poder executivo dentro da cidade-estado que é o coração da Igreja Católica Romana estava, no lugar do Papa, nas mãos de uma pessoa não ordenada e, além disso, uma mulher. O Vaticano tem uma governadora.
- Ir. Raffaella Petrini
- Ir. Carmen Ros Nortes
E mais: em aplicação da Lei Fundamental do Estado da Cidade do Vaticano, Petrini também se tornou presidente da Comissão Pontifícia que, composta por cardeais, tem funções legislativas. É o órgão que tem a tarefa de aprovar as leis e outras disposições normativas, além de deliberar anualmente o orçamento e o plano financeiro trienal. A Lei Fundamental estabelecia que o cargo de presidente deveria ser ocupado por um cardeal, e Francisco mudou essa realidade.
Há várias subsecretárias, como Gabriella Gambino e Lina Ghisoni no Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida; enquanto no Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, a Irmã Carmen Ros Nortes, das Irmãs de Nossa Senhora da Consolação, é subsecretária. Emilce Cuda é secretária da Pontifícia Comissão para a América Latina; Nataša Govekar conduz a direção teológico-pastoral do Dicastério para a Comunicação; Cristiane Murray é vice-diretora da Sala de Imprensa da Santa Sé; e Charlotte Kreuter-Kirchof é vice-coordenadora do Conselho para a Economia. A Secretaria Geral do Sínodo também tem uma subsecretária: a religiosa sa Nathalie Becquart.
Posicionamentos de fé e esperança
Para Irmã Solange Novaes, franciscana missionária do Coração Imaculado de Maria e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo:

Ir. Solange
“A presença da mulher na Igreja Católica tem se fortalecido significativamente nos últimos anos, especialmente sob o pontificado do Papa Francisco. Ele nomeou mulheres para posições inéditas, como a Irmã Simona Brambilla, que se tornou prefeita do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. A ocupação de cargos de maior autoridade por mulheres reflete um esforço contínuo para reconhecer seu papel na istração e na vida da Igreja. Também nesse contexto, o olhar feminino é fundamental para criar harmonia, pois traz sensibilidade, cuidado e uma visão integradora, como já afirmou o Papa Francisco. As mulheres desempenham um papel essencial na construção de uma Igreja mais justa, acolhedora e materna. O nosso querido Papa São João XXIII declarou que a Igreja é Mãe; por isso, os dons da vocação materna, tão necessários para a humanidade hoje, se expressam por mulheres que também exerçam o serviço da autoridade na Igreja.”
Para ela, o anúncio do Papa Leão XIV foi recebido com muita alegria, esperança e sinal de renovação:
“Hoje recebemos com alegria a notícia de que o Papa Leão XIV nomeou a irmã Tiziana Merletti como secretária do mesmo Dicastério. Essa nomeação reafirma a continuidade da tendência promovida pelo novo pontífice, que reconhece o papel fundamental das mulheres e da Vida Religiosa Consagrada feminina em todos os âmbitos da Igreja. […] Como franciscana, vejo essas mudanças como reflexos da atualidade do espírito de São Francisco, que sempre valorizou a dignidade e o papel das mulheres na vida e na fé, seguindo o exemplo de Jesus.”
Irmã Inês da Costa Camargo, da Congregação das Irmãs Franciscanas da Terceira Ordem Seráfica e coordenadora da Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB Regional São Paulo, acredita que o anúncio de mais uma mulher na Cúria é motivo para mais reflexões sobre o gesto corajoso e determinado de Francisco.

Ir. Inês
“Nosso saudoso Papa Francisco reconheceu que a presença feminina na Igreja Católica é essencial, pois a nossa Igreja nasceu com a presença feminina, isso encontramos em Atos dos Apóstolos (1,14), agem bíblica que descreve a presença de Nossa Senhora no Cenáculo, juntamente com os apóstolos e outras mulheres. […] Podemos dizer sem medo que faz parte da constituição feminina a luta diária, a garra de levar avante os diversos compromissos.”
Sobre o anúncio do Papa Leão XIV, ela afirmou:
“Se acreditamos que isso foi uma ação de Deus através do seu Espírito, acreditamos também que as suas decisões são movidas pelo mesmo Espírito. Os cardeais elegeram um papa que deseja dar continuidade à missão de Jesus, que não excluiu ninguém e teve uma particular atenção com as mulheres […] Portanto, Jesus acreditou e acredita na força da mulher e por isso as chamou para caminhar com Ele.”
Segundo Irmã Inês, o Papa Leão XIV tem demonstrado, com seu jeito humilde, simples e fraterno, que trilhará pelos mesmos caminhos:
“A Vida Religiosa e Apostólica teve um grande ganho com as nomeações de Irmã Simona, em janeiro ado, para assumir o cargo como prefeita do Dicastério para a VRC, e agora a nomeação de Irmã Tiziana, mais uma consagrada para ocupar o secretariado deste mesmo dicastério. Que elas sejam ungidas pela força e presença do Espírito Santo e, com Maria, estejam atentas às necessidades da Igreja, como a Mãe de Jesus esteve em vigilante e fraterna atenção em Caná da Galileia.”
Frei Fidêncio Vanboemmel, assistente religioso da Federação das Irmãs Clarissas do Brasil, acredita que o gesto do Papa Leão XIV de nomear uma religiosa da congregação das Irmãs Franciscanas dos Pobres para a Cúria é uma manifestação concreta que demonstra a abertura ao espaço que as mulheres ocupam dentro da Igreja, também na sua organização interna.

María Lía Zervino
“Por se tratar de um Dicastério que ‘promove, anima e regula’ toda a Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica na Igreja, nada mais justo e compreensível que este Dicastério tenha essa presença de mulheres consagradas e capacitadas para este ministério e, certamente, muito bem qualificadas para compreender o grande número de mulheres consagradas que vivem a vida contemplativa e ativa no mundo de hoje.”
Em 2021, María Lía Zervino, presidente da União Mundial das Organizações de Mulheres Católicas — nomeada membro do Dicastério para os Bispos pelo Papa Francisco em 2022 — escreveu uma carta aberta na ocasião do oitavo ano de pontificado de Francisco, na qual evidenciava o desejo da participação das mulheres na Santa Sé por uma questão de compromisso e fidelidade a Deus e à Igreja:
“Essa mensagem não pretende ser uma reivindicação. Não se trata de ocupar cargos para sermos “vasos decorativos”, como ornamento ou porque está na moda nomear mulheres, tampouco de alcançar posições para “subir” ao poder. Não. Trata-se de servir à Igreja com os dons que o Pai Criador nos concedeu: uma inteligência e sensibilidade peculiares, uma afetividade e capacidade especial de gerar e formar pessoas, e uma aptidão particular para criar bens relacionais. Que o desejo que o senhor expressou — de que as mulheres participem das equipes de decisão ao lado dos homens — deixe de ser visto como utopia e e a ser algo normal na Igreja”.
Que o Papa Leão XIV continue sua missão de servir e guiar a Igreja, inspirado por Francisco e pelo compromisso que assumiu junto ao povo de Deus. Que ele siga reconhecendo na presença feminina um sinal de mudança e amadurecimento de uma Igreja sinodal.
Adriana Rabelo Rodrigues
Fonte: Vatican News